quinta-feira, janeiro 24, 2008

Calma, vá devagar

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Certa vez, Jesus chamou seus discípulos e os advertiu sobre o valor da vida. Suas palavras foram agudas: “Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se ou destruir a si mesmo?” – Lucas 9.25. Por anos, entendi este texto como uma advertência para que as pessoas não gastem seus dias tentando conquistar o mundo e, no fim, acabarem no inferno. Ultimamente, graças também a Nova Versão Internacional da Bíblia, passei a compreender a afirmação de Jesus, como uma advertência existencial. Para que se esfolar por ideais se, no processo, acabar como uma pessoa sem alma, isto é, sem afetos, solidariedade e humanidade?
O ativismo brota de dois vícios existenciais: onipotência e narcisismo. O ativista acredita que tem saúde de ferro, que é imprescindível, que foi eleito o preferido dos deuses, que faz tudo melhor do que qualquer pessoa. O ativista trabalha porque, geralmente, também se enxerga como o mais bem talhado para as grandes tarefas. Ele Imagina que se algum empreendimento tiver que dar certo, tem que ter a sua contribuição. Assim, se fosse um corredor, só revezaria consigo mesmo; o medo de perder a corrida não permite que confie em qualquer parceiro.
O narcisismo é diferente porque todas as pessoas possuem alguns elementos narcisistas. O problema do narcisismo é quando ele descamba e se torna depreciativo; quando encaramuja. Um belo exemplo desse narcisismo doentio pode vir do futebol. Sabe o jogador que não admite que exista alguém que tão bom quanto ele? Em minha infância era chamado de “fominha", pois não tem espírito de equipe, não passa a bola, quer resolver tudo sozinho e sempre prejudica o time; no dia em que se aposentar, será visto na arquibancada xingando os novatos que “só apresentam um futebol inferior”.
Somos curados da onipotência quando despertamos para a nossa mortalidade. Somos provisórios, efêmeros. Passamos rapidamente. Há pouco, constrangi-me quando vi um ancião entrando num avião, ajudado por três pessoas e arrastando os pés. Era o pastor de uma mega igreja que em tempos passados arrebatava multidões; agora mal se equilibrava para andar. Nossos dias se acabam ligeiros. Não adianta se afobar. Você não é dono da palmatória que corrige o mundo. Conta-se que os imperadores romanos colocavam escravos nas bigas dos generais romanos que triunfavam nas batalhas para repetirem uma só frase: “Memento mortale est” – lembra-te que és mortal; era o antídoto da arrogância.
Contemple os grandes ícones da história. Todos morreram e a vida continuou. Paulo, o apóstolo responsável pelo avanço do cristianismo, foi decapitado e depois dele vieram outros que levaram a tocha do evangelho. Martin Luther King foi assassinado e sua causa continuou a ser defendida com o mesmo ardor; a liberdade civil dos negros se concretizou mesmo sem ele.
Somos curados do narcisismo quando aprendemos a valorizar dons e potenciais alheios. Já lhe disse antes: você sempre encontrará pessoas mais bonitas, mais talentosas, mais ricas, mais espiritualizadas e, se for longevo, mais jovens do que você. E como é gostoso não precisar provar nada para ninguém! Busque a excelência, mas livre da necessidade de angariar simpatias, aplausos ou aceitação.
Diego, discipline-se para ler; aprenda a degustar a vida devagarinho. Fuja dos “fast-foods”; na mesa, gaste tempo conversando, ouvindo. Time is not money - o tempo é vida e vida é uma riqueza não renovável. Assim, combata a ansiedade e diga mais vezes: “deixa estar” – let it be. Não se enxergue como uma abelha que vive para a colméia; seja um amigo que sabe curtir os bons momentos.
Lembre-se, desta vida só levaremos boas memórias. Portanto, torne-se um alquimista que transforma cada experiência, evento ou alegria, num sacramento que você carregará no bolso da alma até a eternidade.

Ricardo Gondim

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