quinta-feira, agosto 17, 2006

MEU INIMIGO SOU EU


Vez por outra sou atacado por um inimigo atroz: eu mesmo. Delimito meu mundo e meus únicos vizinhos tornam-se meus desejos; sem reconhecer a ferocidade dos meus egoísmos, contento-me com minha insignificância. Nessas alucinações entrópicas, descubro a gênese de meus egocentrismos. Ele acontece quando, depois de lutar por ideais, cobrar atitudes das pessoas e propor um mundo mais justo, sou acometido pelo desejo de mandar tudo para o espaço e cuidar só do estreito quintal de minha vida.
Há pouco tempo deu-me uma vontade louca de desistir de tudo e me mudar para bem longe. Meio desencantado com minha geração, tive um ímpeto de me aposentar precocemente; talvez comprar uma casinha no sertão, diminuir minhas demandas financeiras e passar o resto dos meus dias lendo, pescando e curtindo a companhia sempre prazerosa de minha mulher.
Quando já me preparava para viver como uma cigarra selvagem, sem muita preocupação senão com minha própria felicidade, por acaso, li um pequeno trecho do poeta mexicano, Amado Nervo (1870-1919). Suas palavras ressoaram dentro de mim com tanta força, que adiei minha aposentadoria por tempo indeterminado:
“Todo homem que te procura vai pedir-te alguma coisa; o rico aborrecido, a amenidade da tua conversa; o pobre, o teu dinheiro; o triste, um consolo; o débil, um estímulo; o que luta, uma ajuda moral. Todo homem que te busca, certamente há de pedir-te alguma coisa. E ousas impacientar-te!
Infeliz! A lei oculta, que reparte misteriosamente as excelências, dignou-se outorgar-te o privilégio dos privilégios, o bem dos bens, a prerrogativa das prerrogativas: dar. Tu podes dar!
Deverias cair de joelhos e dizer: Graças, meu Deus, porque posso dar! Nunca mais passará por meu semblante uma sombra de impaciência”.
Ao terminar a leitura, lembrei-me que o conceito de liberdade cristã não contempla qualquer egocentrismo. Anjos egoístas se transformaram em demônios; homens, em pecadores; e o mundo, num inferno. Assim, decidi resistir essa tentação de abandonar minha vocação. Resolvi que asfixiarei essas inclinações que desafiam a minha fé e exorcizarei a vontade de parar; ela arrastará meu coração para o conforto dos tímidos que não herdarão o Reino de Deus.
André Comte-Sponville tratou da generosidade em seu”Pequeno Tratado das Grandes Virtudes” (Martins Fontes) e concluiu que “a generosidade, como todas as virtudes, é plural, tanto em seu conteúdo como nos nomes que lhe prestamos ou que servem para designá-la.
Somada à coragem, pode ser heroísmo. Somada à justiça, faz-se eqüidade. Somada à compaixão, torna-se benevolência. Somada à misericórdia, vira indulgência. Mas seu mais belo nome é seu segredo, que todos conhecem: somada à doçura, ela se chama bondade”.
Devemos lembrar que a prioridade maior da fé não consiste em defender verdades, mas em aprender a amar. Jesus disse em João 13.35: "Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. Há algum tempo venho propondo que o principal curso dos seminários deveria ser “Agapeologia”, objetivando mostrar que ninguém pode se considerar um seguidor de Cristo se não dividir seu lanche, como fez um menino no milagre da multiplicação, e se não lavar os pés dos desafetos, como fez Jesus na noite em que Judas o traiu.
Reconheço a dificuldade de abrir mão da minha reputação para não deixar que melindres tirem minha alegria de servir, insistirei em me dar incondicionalmente àqueles que nem valorizam meus gestos de bondade. Reconheço que a trilha mais confortável conduz ao isolamento e que, muitas vezes, sinto facilidade em responsabilizar o próximo pelos meus infernos. Mas esse impulso de buscar isolar-me não nasce do Deus Trino que desde sempre convive em perfeita harmonia. Um projeto de vida egocêntrico é luciferiano.
Sabendo que o egoísmo nasce do Diabo, rejeito seus ardis. Não sonegarei meus afetos, não vou ilhar-me, indiferente ao meu semelhante; não tentarei fugir para os confins do universo; e nem farei da minha cama um abismo de lamúrias. Atenderei ao apelo de Paulo: “E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem (...) sabendo que o vosso trabalho não é vão no Senhor” (2Ts 3.13 e 2Co 15.58).

Soli Deo Gloria.
fonte: www.ricardogondim.com.br

quarta-feira, agosto 02, 2006

Versões


Vivemos cercados pelas nossas alternativas, pelo que podíamos ter sido. Ah, se apenas tivéssemos acertado aquele número ("Unzinho e eu ganhava a sena acumulada"), topado aquele emprego, completado aquele curso, chegado antes, chegado depois, dito "sim", dito "não", ido para Londrina, casado com a Doralice, feito aquele teste... Agora mesmo neste bar imaginário em que estou bebendo para esquecer o que não fiz - aliás, o nome do bar é "Imaginário" - sentou um cara do meu lado direito e se apresentou.
- Eu sou você se tivesse feito aquele teste no Botafogo.
E ele tem mesmo a minha idade e a minha cara. E o mesmo desconsolo. Por quê? Sua vida não foi melhor do que a minha?
- Durante um certo tempo, foi. Cheguei a titular. Cheguei à seleção. Fiz um grande contrato. Levava uma grande vida. Até um dia...
- Eu sei, eu sei... - disse alguém sentado do outro lado dele.
Olhamos para o intrometido. Tinha a nossa idade e a nossa cara e não parecia mais feliz do que nós. Ele continuou:
- Você hesitou entre sair e não sair do gol. Não saiu, levou o único gol do jogo, caiu em desgraça, largou o futebol e foi ser um medíocre propagandista.
- Como é que você sabe?
- Eu sou você se tivesse saído do gol. Não só peguei a bola como mandei para o ataque com tanta perfeição que fizemos o gol da vitória. Fui considerado o herói do jogo. No jogo seguinte, hesitei entre me atirar nos pés de um atacante e não me atirar. Como era um "herói", me atirei. Levei um chute na cabeça. Não pude mais ser goleiro. Não pude mais nada. Nem propagandista. Ganho uma miséria do INPS e só faço isso: bebo e me queixo da vida. Se não tivesse ido nos pés do atacante...
- Ele chutaria para fora.
Quem falou foi outro sósia nossa, ao lado dele, que em seguida se apresentou.
- Eu sou você se não tivesse ido naquela bola. Minha carreira continuou. Fiquei cada vez mais famoso, e agora com fama de sortudo também. Fui vendido para o futebol europeu, por uma fábula. O primeiro goleiro brasileiro a ir jogar na Europa. Embarquei com festa no Rio...
- E o que aconteceu? - perguntamos os três em uníssono.
- Lembra aquele avião da Varig que caiu na chegada em Paris?
- Você...
- Morri com 28 anos.
Bem que tínhamos notado a sua palidez.
- Pensando bem, foi melhor não fazer aquele teste no Botafogo...
- Nem sair do gol naquela bola...
- E ter levado o chute na cabeça...
- Foi melhor - continuei - ter ido fazer o concurso para o serviço público naquele dia. Ah, se eu tivesse passado...
- Você deve estar brincando - disse alguém sentado à minha esquerda.
Tinha a minha cara, mas parecia mais velho e desanimado.
- Quem é você?
- Eu sou você, se tivesse entrado para o serviço público.
Vi que todas as banquetas do bar à esquerda dele estavam ocupadas por versões de mim no serviço público, uma mais desiludida do que a outra. As conseqüências de anos de decisões erradas, alianças fracassadas, pequenas traições, promoções negadas e frustração. Olhei em volta. Eu lotava o bar. Todas as mesas estavam ocupadas por minhas alternativas e nenhuma parecia estar contente. Comentei com o barman que, no fim, quem estava com melhor aspecto, ali, era eu mesmo. O barman fez que sim com a cabeça, tristemente. Só então notei que ele também tinha a minha cara, só com mais rugas.
- Quem é você? - perguntei.
- Eu sou você, se tivesse casado com a Doralice.
- E?
Ele não respondeu. Só fez um sinal, com o dedão virado para baixo.

Veríssimo

terça-feira, agosto 01, 2006

O que é o futuro?


Uma coisa que atormenta;
Algo que não se sabe como será;
Pode-se prever, mas com alto grau de erro;
Algo que corroi a alma frente as espectativas;
Será tudo ilusão?
Será um sucesso ou fracasso?
Ficam várias perguntas jogadas ao vento;
Só que como algo cíclico, sempre voltam;
As mágicas palavras de pregadores não funcionam;
Na prática é tudo tão diferente;
O fazer, o ser , o resolver, o construir;
A lei da semeadura é tão real, racional, verdadeira;
O futuro, ahhh o futuro!!!